Tiro na CCB: culto marcaria trégua em briga antiga, mas 'diabo' atrapalhou

A noite do último dia de agosto foi a escolhida para iniciar um ciclo de paz na Congregação Cristã no Brasil de Vila Finsocial, em Goiânia, não fosse o estampido de uma arma.
No corredor de o ao banheiro, Davi Augusto de Souza, 40, foi atingido nas pernas por um tiro disparado por Vitor da Silva Lopes, 38, um cabo da PM que é músico na CCB e estava armado durante o culto. Ambos são amigos e frequentadores do templo.
Foi um alvoroço. Fiéis clamavam a Deus, enquanto Davi sofria, sentado sobre uma poça de sangue. Momentos depois, ele foi levado pelos bombeiros ao Hugo (Hospital de Urgências de Goiânia), ou por uma cirurgia e permanece internado, sem previsão de alta.
O autônomo e estudante de direito Daniel Augusto de Souza, irmão de Davi e membro da Congregação desde a adolescência, acompanhou toda a cena. Ele era, afinal, o assunto da noite.
Durante aquele culto, uma discórdia que o envolvia seria resolvida publicamente. Tudo começou na celebração de 6 de agosto, um sábado. À certa altura, Djalma Faustino, o cooperador da igreja — na hierarquia, ele está abaixo do título de "ancião", que equivale ao de pastor — resolveu falar de eleições e, lendo uma circular, aconselhou os fiéis a não votarem em partidos contrários aos valores cristãos. Incomodado, Daniel ergueu o indicador direito e pediu a palavra. "Por favor, não fale de política em nossa igreja. Estamos aqui para falar de Deus."
O cooperador, líder religioso daquela comunidade, teria rebatido a fala de Daniel, chamando-o de "rebelde". A reportagem buscou outros frequentadores para confirmar o que aconteceu naquela noite. Um fiel confirmou que o cooperador "pediu para não votar em partido de esquerda — para ser mais específico, o partido da bandeirinha vermelha".
Daniel, dias depois, recorreu à imprensa local para falar sobre o que tinha acontecido. Com a repercussão, os anciãos da igreja decidiram se reunir em 29 de agosto, com a presença de ambos. Ali, após cada um apresentar sua versão dos fatos, ficou definido que, na quarta-feira (31), seria feita uma retratação pública para apaziguar os ânimos, com pedido de desculpas de Daniel e Djalma.
Um ancião que esteve na reunião e não quis ser identificado assegurou que os dois saíram da reunião "apaziguados". Mas nada correu como previsto.
'Momento diabólico'
Davi Augusto de Souza, o homem atingido pelo disparo, contou ao TAB que foi à CCB da Vila Finsocial justamente para acompanhar a retratação pública entre seu irmão e Djalma. Ele frequenta a congregação, mas numa igreja fora de Goiânia, nas imediações do Rio do Peixe.
Davi relatou que teria ido beber água quando encontrou no corredor o PM Vitor da Silva Lopes. "Foi tudo muito rápido. Eu o cumprimentei e, de repente, vi o Vitor com os olhos arregalados. Ele me chamou de 'vagabundo'. Parecia possuído."
As agressões verbais se tornaram físicas. "Estou até agora sem entender. Quando percebi, escutei um barulho de tiro e caí. Mas não tenho raiva dele. Para mim aquilo foi ação diabólica, senti isso quando vi os olhos dele, e eu quero paz."
No boletim de ocorrência feito com o depoimento dos policiais que atenderam o caso, consta uma briga de socos e murros entre Davi e Vitor. De acordo com o relato, o disparo foi feito pelo policial, numa tentativa de se desvencilhar de Davi.
Essa versão é contestada pelo irmão da vítima alvejada. "Meu irmão não tinha qualquer motivo para fazer isso. Estávamos ali para selar a retratação", disse Daniel Augusto, que recebeu a reportagem do TAB em sua residência no último domingo (4).
A vítima e sua família já foram à delegacia prestar depoimento.
Guerra e paz
Daniel conversou com o TAB junto de sua esposa, Kacia, e dos dois filhos. Em uma mesa na varanda, contou que a história dos desentendimentos entre ele e o cooperador Djalma Faustino é antiga — tem mais de três décadas —, mas não quis se alongar. O tiro, vindo de um terceiro elemento que nada tinha a ver com a rusga, o deixou abalado.
Quando ouviu barulhos no corredor externo da igreja, Daniel resolveu sair. Viu o irmão caído, com as mãos sobre a cabeça, aparentando confusão mental. "Quando me aproximei, o Vitor [policial] começou a desferir uma série de socos em mim. Meu filho chegou e o empurrou. Foi aí que ele sacou a arma. Tentou disparar contra mim e contra meu filho, mas a arma não funcionou. Então ele apontou para meu irmão e atirou", contou.
Após a ocorrência, Daniel conversou por mensagem com o autor do disparo. A reportagem ouviu um áudio em que o cabo dizia: "Daniel, meu objetivo é de que a gente tenha paz, para deixarmos isso de lado. Mas se você quiser guerra, eu também estou pronto para a guerra".
No alerta, o PM teria sugerido que o fiel abrisse mão das discussões com o cooperador. Para o estudante de direito, contudo, a influência do cooperador é excessiva sobre a opinião dos fiéis. "Tratam Djalma como se ele próprio fosse Deus."
O fiel ite que pretende seguir com a história, porque "o próprio estatuto da igreja proíbe o envolvimento com política" e ele tem visto a igreja se posicionar nos últimos anos. "Não estamos sequer dormindo direito. Minha esposa tem vivido à base de remédios, a casa está toda desorganizada."
'Causadores de confusão'
TAB procurou o cooperador Djalma Faustino. Ele disse que parte da família Souza é composta por "causadores de confusão". Negou qualquer influência política na igreja, mas itiu que orientou a igreja a "não votar em candidatos que não sejam tementes a Deus". "Nós não mandamos [votar], a irmandade é livre. A gente apenas orienta", disse.
No site da Congregação Cristã no Brasil, há um tópico "Eleições 2022". Segundo o texto, a orientação é de que os fiéis "não devem votar em candidatos ou partidos políticos cujo programa de governo seja contrário aos valores e princípios cristãos ou proponham a desconstrução das famílias no modelo instruído na palavra de Deus, isto é, casamento entre homem e mulher".
TAB também conversou com Vitor Lopes, o autor do disparo, na quarta-feira (6). "Eu estava ali para ver um momento de pacificação entre o irmão Djalma e Daniel, tanto que fui [à igreja] com minha esposa e três filhos. Minha intenção nunca foi sacar a arma e atirar em alguém." Ele confirmou a conversa com Daniel e o áudio em que dizia estar "preparado para a guerra".
"Eles causam muitos problemas. Questionam sempre o que dizem os nossos líderes. Só dei um murro na cara dele [Daniel] para me defender. Eram quatro pessoas contra mim, por isso saquei a arma. Mas dei um único disparo, na perna de Davi, porque ele continuou vindo para o meu rumo", narrou.
Depois do disparo, Lopes disse ter pedido ao porteiro da igreja que chamasse o SAMU e os bombeiros. Saiu correndo da igreja e ficou na esquina, observando. Antes de o culto acabar, por volta das 21h, foi à delegacia prestar depoimento.
O policial militar está fora de Goiânia e deve voltar apenas na segunda-feira (12). Ele diz que a viagem já estava programada e não tem qualquer ligação com o episódio da última quarta-feira.
Em nota de 1º de setembro, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás afirma que determinou a abertura de "instauração de processo istrativo disciplinar para apurar as circunstâncias do fato". A reportagem tentou contato com o órgão para verificar o andamento do processo, mas não houve resposta.
TAB buscou contato com o ancião Edivaldo Damacena, que atendia o culto no dia, mas o religioso se recusou a falar e sugeriu que a reportagem procurasse as centrais da CCB em Goiânia ou em São Paulo, onde fica a sede da igreja. A reportagem encaminhou o pedido à unidade do Brás da igreja, onde fica a central, mas não obteve resposta. As tentativas foram feitas por telefone e e-mail.
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