A delicadeza do tema faz com que essa exposição exija muito, mas muito cuidado. Olha o paradoxo. O crime do Rio veio a público por causa de um vídeo de 38 segundos, gravado e postado em uma rede social por um dos suspeitos. Conhecidos e parentes da vítima – inclusive a avó materna – assistiram à cena em que ela aparece nua, desacordada e violada. Não se pode imaginar uma exposição maior do que essa, uma agressão que humilha e traumatiza a vítima. Por outro lado, a gravação foi a prova do estupro coletivo (o exame de corpo de delito, feito quatro dias após o crime, não apontou indícios de violência). Sem as imagens, talvez o caso fosse abafado e o debate e a consequente mobilização não teriam acontecido. Mas veja o altíssimo preço que essa jovem pagou por alguma justiça que, sabe-se lá, um dia venha a acontecer.
Não se trata de um caso isolado: na sociedade do espetáculo, muitos criminosos registram e divulgam suas ações. A grosso modo, há uma mistura de falta de noção sobre o alcance do conteúdo, narcisismo e sensação de impunidade. No caso do estupro, há ainda a possibilidade de ameaça: “se denunciar, eu divulgo”. A boa notícia – se existe algo positivo aqui – é o fato de esses registros ajudarem na punição. Em 2013, a Justiça norte-americana condenou dois estudantes de Steubenville (Ohio) por estuprarem uma conhecida de 16 anos. Em seu depoimento, a vítima disse ter acordado nua, em um porão onde estavam os dois jovens, sem saber o que tinha acontecido. As pistas só vieram quando amigos relataram ter visto a agressão em fotos e vídeos, usados como provas do crime.
É preciso expor o problema, mas nunca a vítima - cabe essa premissa mesmo se esse for o desejo dela. Isso inclui não compartilhar o conteúdo difamatório, ainda que seja no intuito de alertar. As denúncias devem ser feitas aos órgãos competentes, e a identidade precisa sempre, sempre ser preservada. “A forma como os casos são divulgados tem efeitos atrozes. Não falam nomes, mas facilitam a identificação ao mencionar onde a pessoa estuda ou trabalha. Às vezes, identificam vizinhos ou amigos. Nada disso é necessário ou de interesse público, e muito menos deveria ser utilizado para criar mártires”, critica Cynthia Semíramis, pesquisadora sobre a história dos direitos das mulheres e doutoranda em direito na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).