TAB: De que forma você avalia políticos e parte da população saudar torturadores e pedir a volta da ditadura?
AS: Convivi estreitamente com o Darcy Ribeiro, um antropólogo incrível, não estou acostumada com baixaria, não. É assustador pensar que tem uma mulher de 20 e poucos anos [Sara Giromini, extremista de ultradireita] que descobriu o hospital onde estava aquela menina estuprada e grávida. Quer dizer, o que ela ganhou com isso? Nada. Mas ela é apoiadora do Bolsonaro. É essa filosofia que está assustando um pouco, me dando medo. Sofri diretamente com a ditadura. Conheci meu ex-marido [Pedro Porfírio, jornalista] nessa época. Quando bate 1964 a coisa fica feia, ele estava trabalhando no Correio da Manhã e na Última Hora, chegou em casa e disse: "tenha cuidado, porque está tendo manifestação na Cinelândia". Eu trabalhava na Difilm, na Cinelândia, e no dia seguinte, quando voltava para casa, levei uma borrachada na barriga [de um policial]. Eu estava grávida de sete meses e meu filho nasceu morto. A ditadura me deve isso. Era uma criança, tive que fazer certidão de nascimento e certidão de óbito.
TAB: De que forma o racismo se mostrou na sua carreira?
AS: Quando comecei no cinema, sabia que queria chegar ao set. Vivenciando o set eu teria aulas teóricas e práticas com várias cineastas. Qual foi a minha sorte? É que 90% da equipe técnica de cinema é negra, nós fazemos parte da "Turma da Pesada". Você vai encontrar uma continuísta branquinha, uma maquiadora branquinha, mas ali a maioria é de negros. Tive dificuldades logo de início, quando fui diretora de produção. No meu segundo filme, "Ibraim do Subúrbio", que era com José Lewgoy, um artista genial, mas uma pessoa inável, ele entrou no set, todo mundo tomava café, inclusive eu, e disse: "o que que essa neguinha está fazendo aqui?". Eu levantei e disse: "estou comandando o seu quilombo". Logo pensei que estava demitida, mas ele se assustou. E perguntou: "Quem é essa moça?", ao que eu disse: "Eu sou Adelia Sampaio e sou diretora de produção desse filme. É pegar ou largar!". Sempre fui abusada, minha mãe me ensinou a ser assim. Depois ele se tornou um grande amigo.
TAB: E você sofre com o racismo até hoje?
AS: Certo dia, dentro de uma loja Renner, acompanhada de uma amiga branca, dei dois os e o homem [segurança] dava dois os. Eu parei, ele parou. Quando dei cinco os e ele parou, dei uma ré, peguei no braço dele e disse: "Vamos ear no bosque". O homem queria morrer. E falei: "Você está me seguindo, vamos ear de braço. Por que você não parou ela que é branca? Você é preto, filho, esse papo de pardo é conversa para boi dormir. Ou você é preto ou você é branco".